O que vejo pelo mundo

Minha idéia sobre este espaço é escrever sobre minha visão, meu entendimento a respeito das coisas que estão aí pelo mundo. Será um belo exercício de organização, pois sempre acabo esquecendo de registrar alguma coisa interessante que me valeu uma reflexão. Espero que compartilhem comigo dos escritos que nascerão aqui: concordem, discordem, reflitam, reconsiderem ... só espero que não ignorem por completo!

domingo, março 02, 2008

Você nasceu
Alguém te escolheu, depois te esqueceu
Você ficou triste, sofreu
Um anjo por você intercedeu
Por meio de outro anjo te encontrei
Por alguns dias eu sei que você foi feliz
Eu te acolhi

Mais uma vez tanta coisa aconteceu
Mais uma vez você foi julgada
Condenada
Encarcerada
Mais uma vez passou a viver sem liberdade
Que crime você cometeu?

Sem amigos
A tristeza tomou conta de você, pequena
Sem entender porque ninguém te amava
Você decidiu que a vida não mais te interessava
Parou de chorar
Parou de comer
E agora
Parou de sofrer
Seu sofrimento só teve fim porque você pagou com própria vida

Eu agora estou sofrendo a dor da tristeza
Do sentimento de culpa
Da impotência diante do fato consumado
Da vida consumida
Querida
Nenhuma palavra trará você de volta
Nenhuma lágrima derramada lavará o erro
Nem levará a dor
Mas espero, profundamente
Tão profundo quanto era o teu olhar
Que você aceite esse choro
Como pedido de perdão

sexta-feira, agosto 17, 2007


Para o maridão:


quarta-feira, maio 23, 2007

Uma homenagem aos meus gatinhos e à Ferreira Gullar

O ron-ron do gatinho

O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pêlo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.

Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.

É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso ele faz ron-ron
para mostrar gradidão.

No passado se dizia
que esse ron-ron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.

Tudo bobagem, despeito,
calúnias contra o bichinho:
esse ron-ron em seu peito
não é doença - é carinho.

Ferreira Gullar - um grande poeta, apaixonado pela vida.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Amigos especiais

Sempre fui fã dos meus animais. Eles vivem me ensinando melhores maneiras de viver a vida. Eles nos seduzem se deixando seduzir. Mostram sua força na imensa fragilidade que possuem. Indepedência na dependência que têm. Qual a melhor forma de fazer um bichinho feliz? Tenho esta preocupação. Eles não sabem falar a nossa língua. Como saber, então, se estão felizes? Se se sentem satisfeitos com o lar onde estão?
Neste momento meus filhotes dormem, serenos... ge
ralmente correm a casa inteira, brincam... mas agora estão dormindo. Hoje está mesmo um dia preguiçoso, chuvoso, introspectivo. E assim, dormindo, parecem ainda mais frágeis.
Fico imaginando: por que será que sou tão feliz ao lado deles? Mesmo com todas as limitações que eles têm, eu os amo e eles sabem demonstrar seu amor por mim. Eles sabem conquistar seus donos! No fundo, eles são meus donos, isso sim. Por que vale a pena dedicar amor a estas vidas? Eles não vão ajudar a pagar nossas contas? Ah! Aí é onde mora o trunfo dessas delicadas vidas. Eles não vão nos amar menos se a nossa conta bancária não tiver mais. Eles são amigos incondicionais!
Como é maravilhoso chegar em casa e ver um a
migo derrubá-la pra te receber. Estar em um cômodo da casa e, de repente, ver ele cheio, repleto, com todos os seus amigos. Eles vêm, nos procuram, nos acham e ficam por perto. Cada um tem uma personalidade tão marcante, tão especial, tão única! Um é mais assustado, outro parece não ter medo de nada.
O Félix, por exemplo, é um gatinho muito independente. Quando eu não havia entendido ainda que as ruas não são um lugar seguro para ele, ele podia sair à vontade. Ultimamente ele está somente em casa, protegido. Sabe como ele me retribui? Me chamando para lanchar com ele. Verdade! Sempre que ele está com fome, me chama para acompanhá-lo até seu comedouro. Ele sabe chegar lá sozinho
, mas prefere minha companhia! E escolheu um cantinho alto do meu quarto para dormir. Fica de lá velando meu sono.
O Frajola, meu bebê-gatinho, de apenas cinco meses, chegou aqui em casa tão pequenino. Ainda não tinha dentes. Demos mamadeira pra ele conseguir sobreviver. Quando tomava leite, mexia as orelhas, uma graça. Quando a gente acorda ele nos acompanha até o banheiro. Faz carinho no pé da gente enquanto nos preparamos pro banho. E parece que tem uma maquininha de fazer rom-rom, tão alto que é. Quando alguém entra no box ele fica na parte de fora, esperando a gente sair pra acompanhar na saída também.
O Luke, meu poodle+cocker mais vira-latas do
mundo, é um garotão de quase três anos. Também chegou bebê aqui em casa, com menos de um mês. Andava de lado, tombava nas coisas, mordia tudo e todos. Aprendeu a fazer uma porção de gracinhas só pra ganhar petiscos. Quando chega qualquer pessoa da estima dele, corre para pegar sua bolinha e convida-a para brincar. Ah, ele odeia tomar banho. O-de-ia. Em compensação, se pegar sua coleira, fica maluco. Adora dar uma voltinha.
Bobby é um cãozinho ancião. Tem treze anos. Era o cachorrinho da minha avó. Ela se foi e me deixou ele como herança. Velhinho com alma de filhote. Chora quando quer comer, não é bobo nem nada. Tem o olhar sábio que a idade o confere. É terno, não tem mais a euforia dos mais novos. Mas, nem de longe, é um cãozin
ho triste. Ao contrário.
Eles se dão muito bem, os quatro. Um faz companhia ao outro. Outra lição: mesmo tendo um jeito de viver diferente do outro, com pontos de vista diferentes e com objetivos diferentes, podemos conviver com o outro, trocar experiências, ser felizes juntos.
Fico pensando no dia que eles partirem. Não, não faço disso uma obsessão, não penso nisso o tempo todo. A gente imagina e sofre, só isso. No entanto, uma coisa é certa, aprendi com uma amiga. A dor da perda desses amigos, quando ocorrer, será certamente superada pela alegria, serenidade, aprendizagem, companherismo, despreendimento e tudo o mais que eles, de forma forte sem ser pretenciosa, me ensinaram e me ensinarão a viver.


quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Sobre balas de açúcar e a vida

Quando ainda era pequena, Catarine tinha um programa perfeito para as tardes mais frias. Bastava sua mãe sair. Ela e seu irmão corriam para a cozinha e preparavam deliciosas balas de açúcar. Eles sabiam que a consequência disso era, quase sempre, os dedos das mãos queimados; além disso era bastante provável que ganhassem o desagrado da mãe, caso ela descobrisse as aventuras gastronômicas dos dois.
Passou a mão em seu ventre e pensou: "será que você também aproveitará as minhas saídas para fazer coisas gostosas?" Sorriu. Estava serena, calma. Pelo menos agora. Já havia pensado muito sobre tudo o que aconteceu com ela nos últimos anos. Este fruto, a princípio, parecia lhe trazer tormentas - apenas. No entanto, começava a vê-lo com outros olhos.
Foi até a cozinha, pegou a panela pequena. Seu corpo estava ali, seu pensamento, não. Como havia conseguido transpor tantos momentos difíceis? As vezes precisava fingir. Fingir que não se importava, fingir que não era com ela, fingir que não estava sofrendo.
Pegou o pote de açúcar, destampou. Como poderia imaginar, naquele tempo do docinho de açúcar, que tudo aquilo aconteceria com sua mãe? Não poderia! Tão fascinante a mente humana. Indavassável. Era impossível entender como a mente dela deixou de ser sã.
Agora, chovia forte lá fora. Dia perfeito para relembrar seus doces.
Despejou quase todo o conteúdo do pote na panela, sem prestar muita atenção. Devolveu a parte que não era necessária. "Ah, ela não tem culpa de ter ficado assim. Mas tem culpa por não querer mudar a situação. Está nas mãos dela. Foi para isto que a levamos para aquele lugar. Mas agora ela volta, pior do que quando foi? Não tomou nem um comprimido?" Mas não sentiu raiva.
Acendeu o fogo. Pegou uma colher de pau. Passou a mexer o açúcar naquela minúscula panela. Levou novamente a mão à barriga. "Em breve não moraremos mais aqui". Não daria para aquele pequeno ser dividir o espaço com alguém que não quer abrir mão de seus espaços. Todo mundo quer ser feliz. Como responsável por
aquela vida ainda sem vontade própria, precisava buscar a felicidade para ele. Ele ainda não sabia, mas queira, desejava, ansiava ser feliz. E ela também. Por isso mudariam, em breve, para outro lugar.
Ainda divagando em seus pensamentos, mexia o açúcar na panela, que já havia mudado de cor. Agora estava da cor de caramelo. Sem perceber, acabou deixando que a panela extravasasse um pouco do seu conteúdo. Voltou a pisar no chão no momento que sentiu a mão queimar, como na infância. Lá fora ainda chovia, forte. Desligou o fogo e tomou a mesma providência que tomava em sua idade puerícia: pegou um copo com água gelada e mergulhou dentro os dedos machucados. Lembrou-se que, naquele tempo, costumava usar uma mão para saborear sua iguaria enquanto a outra, ainda ardida, ficava mergulhada no copo com água. O sabor do doce não era, nem de longe, diminuído pela dor que sentia.
"Apesar de tudo, bebê, vamos ser muito felizes ainda. Você vai ver." Seguiu até a janela, colher numa mão, copo com água gelada na outra. Queria apreciar o cair da chuva naquele fim de tarde.





Leia sobre o caramelo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caramelo

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Nara

Mais um conto a quatro mãos!!! Este foi iniciado por mim (parte azul) e concluído por Vanessa (parte verde). É um exercício maravilhoso de abstração escrever a continuação de um texto que não foi iniciado por vc. Imaginar o rumo que o criador da personagem pensou pra ela... e mudar tudo! Van, adorei a experiência. Vamos criar mais personagem e logo logo escreveremos um livro.

Nara não tinha a vida que pediu a Deus. Longe disso, sonhava com o momento no qual encontraria a felicidade. Mas isso não seria tarefa fácil. Agora, então, seria ainda mais difícil. Ela não se reconhecia, não entendia porque havia agido daquela forma. Poderia ter pedido ajuda, procurado a sua tia. Fazia tempo que não a encontrava. Desde quando completou dezesseis anos e decidiu sair de casa. Não suportava mais ser maltratada, nem vê-la sendo espancada pelo marido. A casa ficava mais calma quando ele passava alguns dias sumido, mas sempre acabava voltando e ainda mais violento. Uma dessas vezes Tonho sumiu por quase dois meses. Terezinha, tia de Nara, até tentou arrumar trabalho na época. Mas o marido voltou e as mantiveram presas por vários dias sem sair de casa, até ter certeza que ela mudara de idéia. Ficou com a tia porque não havia mais ninguém. Sua mãe a abandonou quando ainda usava chupetas. O pai... bem, este ela jamais conheceu. Não tinha raiva dos pais. Também não os amava. Aliás, na verdade não tinha nenhum tipo de sentimento por eles. Eles eram como estranhos, apenas isso. Tomou mais uma dose da cachaça que havia sobrado. Precisava de coragem. Por acaso alguém entenderia que ela havia agido por amor? Não que ela morresse de amores por Dan. Ela morria de amores era por ela mesma. Ela estava em primeiro lugar na sua lista de prioridades. Mas agora que tudo aconteceu, ela precisava buscar uma solução. Ouvia vozes e risadas vindas de fora da cabine do banheiro onde estava. Eram de duas mulheres dando palpite uma na roupa da outra. Nara começou a prestar atenção na conversa lá fora, até pra distrair sua mente, como se fosse possível esquecer. Enquanto escutava, tomava mais goles da cachaça. Sentada na tampa da privada, tinha aos seus pés quatro sacos plásticos com o que achou necessário no momento. Descansou a garrafa no chão e pôs as duas mãos sobre os olhos. Precisava parar de ficar relembrando o acontecido e começar a agir. Sem desespero! Dan, que havia sido seu porto seguro, agora precisava dela. Nara se sentia responsável pela situação que Dan estava metido. Não havia tomado cuidado para que Tiago não desconfiasse de suas supostas visitas a salões e amigas desconhecidas. Ela se sentia muito segura em ir encontrar Dan na hora que eles bem desejassem. Percebeu que não lamentava o acontecido com Tiago, como se ele fosse um desconhecido. As lágrimas que banharam seu rosto eram por sua causa e de Dan. Mas estas desceram silenciosamente. “Isto deve ser um pesadelo! Oh Senhor, me acorde desse pesadelo!” Orava mentalmente. Ao retirar as mãos sobre os olhos, mirou a aliança dourada em sua mão esquerda. Nela, um N e um T se entrelaçavam. Ficou olhando a aliança longamente como se a visse pela primeira vez. Já fazia nove anos que havia entrado naquele bar com o firme propósito de ficar com o primeiro cara que lhe desse bola e nunca mais vê-lo. Queria se vingar de Dan, seu namorado há três anos, por ele ter viajado sem ela pra Porto Seguro em pleno carnaval. Seguramente não havia a convidado pra poder ficar com várias garotas. Se ele pode, eu também posso, pensou. Ao ver aquele rapaz franzino, de olhos verdes e bem vestido, nunca imaginaria que dois anos depois estaria se casando com ele. Nara nunca foi apaixonada por Tiago, mas esse deu a ela coisas que ela nunca havia tido: um lar, uma vida confortável e principalmente, a certeza que era amada. Pela primeira vez, Nara teve uma pessoa que fazia todas as suas vontades. Porém, há dois anos, na saída de um shopping pegou um táxi e pra sua surpresa o motorista era Dan. Ao vê-lo, de novo Nara teve sensações que julgavam esquecidas: as mãos suando, uma sensação no estômago como se estivesse repleto de borboletas, o tremor nas pernas... Foi impossível resistir aos pedidos dele de voltarem a se encontrar.
No inicio, tentaram s
er discretos e encontravam-se uma vez por semana ou a cada duas semanas. Nessas ocasiões, um táxi parava na frente de uma casa de portões altos e Nara sentava no banco da frente do carona. Esse mesmo táxi deixava-a em casa às 17h20min aproximadamente, ou seja, cerca de 40 minutos antes de Tiago voltar pra casa. Porém esses encontros passaram a ser mais freqüentes e por várias vezes quando Nara chegava em casa, Tiago já havia voltado. Para disfarçar, alegou que o fim da tarde era o único horário disponível de sua manicure predileta, tendo que ir ao salão pela manhã pra sustentar sua mentira. Porém, como não podia sempre alegar essa desculpa, inventou visitas a amigas, a igreja e até um curso de inglês que foi seu álibi até Tiago se interessar em fazer curso no mesmo local que ela. O fato de Tiago fazer periódicas viagens a trabalho facilitava seus encontros com Dan. Apesar de Tiago fazer cada vez mais perguntas sobre as saídas dela, Nara estava confiante que ele nunca descobriria que não se preocupava de repetir desculpas, se contradizer e por vezes ser pega na mentira por Tiago. Por isso sua surpresa ao ouvir durante o banho, apos o som da buzina da casa de Dan, as vozes do dono da casa e Tiago discutindo e depois o barulho de objetos caindo e do que pareciam serem uma briga corporal. Tiago havia saído naquela manhã dizendo que ia precisar viajar a São Paulo pra umas reuniões e só voltaria dali quatro dias. Nara entrou em pânico! Vestiu-se apressadamente e ficou do banheiro ouvindo o que acontecia, sem saber o que fazia. Nunca havia sentido tanto pavor em sua vida! Percorreu inúmeras vezes os poucos metros do banheiro. Pensou em tentar quebrar o basculante, sair do ele e fugir. De repente um profundo grito que silenciou todos os outros barulhos da casa e que foi diminuindo de volume. Resolveu enfrentar a situação e saiu do banheiro. Na cozinha encontrou a cena mais terrível que havia visto na vida: Tiago caído no chão, segurando ainda a camisa de Dan e este segurando o cabo da faca de destrinchar galinha enterrada na barriga de Tiago. Percebeu que aquele não havia sido o único corte feito por Dan. Finalmente Tiago soltou a camisa de Dan e este se jogou pra trás. Mas uma vez, em menos de duas horas, Nara estava num banheiro sem saber o que fazer. Quem poderia perdoar o que ela fez? Quem entenderia suas razões? Resolveu definitivamente não procurar a tia, afinal esta já havia tido problemas demais na sua vida. Percebeu que apesar de saber que Dan tinha mãe e avó vivas, nunca havia conhecidos elas e nem sabia onde moravam. Não havia uma amigas ou amigos a quem poderia pedir ajuda. Ela estava sozinha! Ou melhor, ela agora só tinha Dan! Precisava fugir pra livrá-lo da culpa que na verdade era dela. Quando Nara retornou ao carro, Dan continuava adormecido no banco do carona e tinha um filete de sangue que descia desde a sua testa passando pelo rosto e descendo pelo torso que se mostrava pela camisa rasgada. Felizmente Nara havia encontrado aquele supermercado 24 horas. Tinha estacionado no fundo do estacionamento coberto e trocado suas roupas por outras que não estivessem sujas de sangue, ainda no banco do motorista. Dificilmente as 2 da madrugada alguém iria ver Dan no carro, mas mesmo que visse, o vidro fumê impediria que vissem o sangue. Apesar de ter bebido uma garrafa de cachaça, nunca se sentiu tão lúcida! É a adrenalina que não me deixa ficar bêbada, pensou. Sentou-se no banco do motorista e pôs as quatro sacolas plásticas no centro do banco traseiro, de modo que pudesse manusear os seus conteúdos. Ao mirar de novo o rosto de Dan, novamente lhe veio a mente a cena de Tiago de olhos arregalados e boca escancarada num grito, com a faca enterrada até o cabo em sua barriga de onde saia uma profusão de sangue. Não sabe como teve coragem e força para retirar a faca. Foi o instinto de sobrevivência que a fez retirar a faca da barriga de Tiago, tomando o cuidado de antes enrolar uma toalha de visitas que achou no banheiro, para que suas digitais não ficassem impressas no cabo. Foi esse mesmo instinto que a fez revistar os bolsos da calça de Tiago atrás de dinheiro e das chaves do carro, enquanto este tentava numa última tentativa de sobrevivência tentava puxa-la em um pedido de socorro. Entretanto, se desvencilhou de Tiago, foi ao quarto pegou a sacola com suas roupas e com muito esforço ajudou Dan a entrar no carro. A faca foi colocada no porta-malas. Agradeceu por Dan morar alguns metros distante dos vizinhos. Porém, certamente devem ter ouvido a briga e logo a polícia apareceria. Ela precisava fugir com Dan pra longe dali! Respirou fundo. Retirou de uma das sacolas o pote de lenços umedecidos. Retirou um lenço e começou aos poucos a limpar o rosto de Dan, usando como lixo a sacola plástica onde estava o pote. Quando passou o lenço por cima do grande corte que havia na testa, Dan soltou um profundo gemido. - Schhhhhhhhhhhhhhh! Calma, Dan! Eu estou aqui ao seu lado. Com cuidado limpou Dan da melhor forma possível, gastando todo o pote de lenços umedecidos. Nos ferimentos passou merthiolate e cobriu com band-aid ou curativos de gaze e esparadrapo, de acordo com o tamanho. Ajudou-o a trocar a camisa e a calça por outra que havia acabado de comprar. Enquanto fazia isso, um pensamento lhe atravessou a mente pra sua inquietação: assim como sua tia Terezinha era cativa de Tonho, ela estava presa a Dan. Guardou o restante do material comprado, antes oferecendo as comidas e bebidas que havia comprado à Dan. Deu partida no carro às 4 hs da manhã sem saber pra onde iria e sem perceber que dirigia em zig-zag
.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Gisele

O conto que segue-se foi escrito a quatro mãos. É que tenho uma amiga muito especial, a Vanessa Lee, que nunca tive privilégio de conhecer pessoalmente, mas que trouxe muita coisa boa pra minha vida, mesmo estando à quilômetros de distância. Ela é uma contista! Sim, amadora - por enquanto - mas é contista sim! Adora personagens femininas. Contagiada pelos seus escritos, fiz a proposta. Ambas começaríamos contos para a outra concluir. Assim nasceu a Gisele, que vocês irão conhecer agora. A primeira parte foi escrita por ela, e eu conclui. Boa leitura!

O shopping já estava movimentado, apesar de só ter aberto há menos de uma hora. Pessoas iam e vinham, algumas com pressa, outras lentamente observando vitrines e pessoas. Entre as pessoas havia adolescentes fardados, homens engravatados, garotas de short, camiseta e chinelo com as alças do biquíni aparecendo em volta do pescoço. Nas mesas da área de alimentação, havia pessoas lanchando, quartetos jogando baralho, grupinhos de garotas fofocando sobre o novo garoto que havia se matriculado no colégio no meio do ano... Mas nada disso importava a Gisele. Havia escolhido uma mesa no inicio da área de alimentação, pra que fosse logo vista, mas se sentou de costas pra que fosse vista antes de vê-lo. Gisele olhou mais uma vez o relógio. 9:34. Quatro minutos atrasado. Mas o que são quatro minutos perto de toda uma vida? Consertou o corpo na cadeira, tentando parar de balançar as pernas. Felizmente havia tido a boa idéia de trazer um livro pra ao menos fingir que não estava ansiosa. E suas mãos que não paravam de suar? E se ele não viesse? Só pensar nisso, seu coração gelou. Não, não é possível! Ele irá vim! Ele tem que vim! Sentiu-se como se novamente tivesse quatro anos e estivesse na porta da escola esperando a sua chegada. Quando aquele Fiat 147 azul chegava, que alegria se apoderava de seu coração! Mais um dia não havia sido abandonada! Porém, um dia o dono daquele Fiat 147 deixou de ir ao seu encontro. Outra olhada no relógio. 9:42. Não é possível! Não é possível! Gisele mal podia crer. Sentia em sua testa uma placa de idiota. Seus olhos ficaram rasos de lágrimas. Era um misto de tristeza, raiva e vergonha que sentia. Porém lutou pra que essas lágrimas não se derrapassem pelo seu rosto. Respirou fundo. Olhou a sua roupa. Havia acordado bem mais cedo que o habitual depois de uma noite na qual ficou revirando pela cama. Levou mais que meia hora escolhendo uma roupa que pudesse deixá-la com ar de bem sucedida - casual. Queria aparentar que sua vida era muito boa, mesmo sem ele. E que não havia se arrumado especialmente pra aquela ocasião. Aquele telefonema há dois dias, depois de quatro anos a havia surpreendido. Nada poderia prepará-la pra isso, pra ouvir de novo aquela voz pedindo pra se encontrar com ela. A última vez que ele havia procurado por ela, foi no dia dos pais, depois de sete meses sem contato. Ela estava tão magoada com o sumiço dele quando avisaram que era ele no telefone querendo falar com ela, que falou alto, pra que ele ouvisse do outro lado da linha: “Ele lembrou que tem filha justo no dia dos pais? Pois hoje sou eu quem não quer falar com ele!” Olhou no relógio. 10:05. Já estava se preparando pra se levantar e ir embora quando sentiu uma mão pousar em seu ombro direito. Naquele mesmo instante sentiu um frio na barriga, nas mãos, no corpo todo. Um calafrio percorreu seu ser. Aliás, o frio que sentiu nas mãos era culpa daquele maldito suor. Ela sofria de hiper-hidrose de fundo emocional desde a infância, mas o problema agravou-se depois que o pai foi embora. Ao sentir novamente aquele cheiro, aquelas mãos sempre geladas, não teve dúvidas: era ele. Mas estava paralisada e não conseguia olhar para trás.
O tempo havia parado – parecia.
“Gi”, foi o que ela ouviu. Mas ainda estava paralisada, num topor, não conseguia mover-se. Aquela voz! Ah, quantas saudades! O sabor dos doces da infância inundaram sua boa e Gisele chegou à salivar. Saudades dos passeios ao entardecer, à beira-mar... o pai costumava presenteá-la com um saboroso sorvete de banana caramelada nessas ocasiões. Ambos levavam bronca ao chegar em casa: ela por estar com a roupa toda suja, ele por haver dado sorvete pra menina à noite, aquilo era uma absurdo.
Gisele abriu os olhos e finalmente tomou coragem de voltar-se para trás. Mas não disse nada. Não ainda. Os sentimentos permaneciam confusos. Não sabia se deveria abraça-
lo e chorar, como nos reencontros dos programas de domingo à tarde, ou se devia dizer-lhe tudo o que sofreu por causa de sua ausência. Então decidiu: olhando nos seus olhos falou “senta aqui, pai”.
- Filha, eu...
- Deixa, pai... não fala nada... eu quero falar – disse Gisele com voz altiva, porém serena.
- Filha, eu estava ali, te observando... desculpe-me, não conseguia levantar... só me aproximei quando percebi que você estava indo embo...
- Pára, não fica tentando se justificar – interrompeu Gisele uma vez mais. Dessa vez foi ríspida, ao ponto de surpreendê-lo. Ela passou a observá-lo. Percebeu que ele havia envelhecido quatorze anos em quatro. Parecia mal, a barba por fazer e muito magro. Naquele instante, sentiu uma profunda compaixão, inexplicável. – Pai, passei os últimos anos de minha vida imaginando o que eu havia feito de errado - disse Gisele, já entre lágrimas -, sofri muito. Não entendia o porquê. Foi uma fase difícil. Mamãe sentia ódio de você. Sente ainda. Não parece ser por ter sido abandonada, é o que penso. Sabe pai, entendo que ela seja sua
ex-mulher... mas eu não posso ser tratada como sua ex-filha...
Gisele chorava e chorava... Mauro abraçou-a. Também chorou. Ela então foi se sentindo mais calma, como no dia que ele a ensinava a andar de bicicleta – sem rodinhas – e ela caiu. Aquele abraço à protegia, resguardava-a de todo o mal.
- Filha, preciso te dizer. Bem, gostaria que você conhecesse alguém.
Nesse momento um garotinho de cerca de cinco anos aproxima-se. Na verdade ele estava sentadinho na mesa ao lado o tempo todo, observando a cena, mas não aproximou-se. Gisele franziu a testa. Estranhamente aquele menino a fazia lembrar de si mesma quando tinha aquela idade. Pensamentos absurdos tomaram conta dela. Pela idade e semelhança com ela mesma esse menino só podia ser seu irmão – meio irmão, melhor dizendo. Ciúmes vicerais e infantis a dominavam, mas antes que ela reagisse, seu pai que desde muito tempo adivinhava seus pensamentos, atalhou:
- Sim, ele é seu irmão. Gisele, vou te contar o que aconteceu: conheci Floraci, Flora como era chamada no seu, digamos, "trabalho", há cerca de dez anos. Na época eu e sua mão não estávamos nada bem. Brigávamos todos os dias. Muitas vezes saia com você, ia passear na praia pra deixar o tempo passar e espairecer. Mas quando chegávamos em casa sua mãe
ralhava por motivos absurdos. Até por eu ter te dado sorvete, imagina – falou isso com um sorriso triste. – Eu não pretendia que as coisas acontecessem assim. Nada foi planejado. Quando eu percebi, já havia me envolvido com a Flora. A princípio o relacionamento era... bem era profissional, entende? Mas depois acabamos nos envolvendo e já não tomávamos os cuidados necessários.
Gisele sentia-se mal com aquela conversa, queria que tudo acabasse logo. Na verdade sentia nojo do que ouvia. Mas escutava, ainda que impaciente.
- Bem, num desses descuidos Flora acabou engravidando. Como eu poderia contar isso pra sua mãe? Resolvi ficar calado, pra ver como as coisas andariam. Dei dinheiro para que Flora “fizesse o que fosse necessário para resolver nosso problema”. Foi isso que falei pra ela naquele momento. Ela, porém, surpreendentemente, não fez o que eu esperava. Pelo contrário, procurou um médico e começou a fazer o pré-natal. Num dos exames ela descobriu... bem ela descobriu que, além de grávida era soropositiva. Fiz o exame e descobri que eu também era – falou ele apertando forte as mãos da filha e prendendo a respiração.

- Gisele, vou te pedir uma coisa. Por favor, não diga não. Nessa pasta tem alguns documentos e informações importantes. Eu tenho pouco tempo de vida, preciso de alguém em quem confio e que me ame pra fazer algo. Cuide pra mim do Mauro. Na pasta tem todas as informações médicas dele, exames, hospitais onde ele é acompanhado. Não o abandone. Não faça com ele o que fiz com você. E não esqueça que amo a vocês dois.
Dizendo isso, deu beijo em ambos. E deu as costas. Foi embora, perdendo-se na multidão do shopping naquele dia dos pais inesquecível.